sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Caso 050: Fratura Frágil dos Navios Classe LIBERTY (1941/1945).

Classe Liberty foi uma série de navios cargueiros (militar), construídos nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
 
Navio da Classe Liberty, alcunhados pelo então presidente Roosevelt
durante a II Guerra Mundial como "Patinhos Feios".

Com desenho original britânico, as plantas foram adaptadas pelo engenheiro naval norte-americano William Francis Gibbs surgindo navios de baixo custo e rápidos de construir. Esta classe de navios simboliza a produção industrial em massa da Segunda Guerra Mundial

Características técnicas

Deslocamento: 14.245 toneladas bruta (14.474 t)
Comprimento: 135 m (441 pés 6)
Boca: 17,3 m (56 ft 10,75 in)
Calado: 8,5 m (27 ft 9,25 in)
Propulsão: Duas caldeiras a óleo, expansão tripla motor a vapor, eixo único, 2.500 cavalos de potência (1.864 kW)
Velocidade: 11-11,5 nós (20 a 21 km / h)
Autonomia: 23.000 milhas (37.000 km)
Capacidade de carga: 10.856 toneladas de porte bruto (TPB)
Tripulação: 40 - 60 homens
Armamento: 1 canhão Stern de 102 mm montado no deck para utilização contra os submarinos. Metralhadoras anti-aérea.

1 - Fase inicial da montagem;
2 - Construção da primeira das anteparas transversais;
3 - A construção do convés inferior;
4 - Concluído antes do lançamento.

Na Segunda Guerra Mundial as estruturas dos navios eram soldadas para economizar tempo na montagem devido a grande demanda de suprimentos que atravessavam o Oceano Atlântico do EUA para Inglaterra principalmente, com a finalidade para abastecer as tropas aliadas durante a época de guerra.

Foram construídos 4694 navios da Classe Liberty.
Os primeiros não possuíam armamentos de defesa, como pode ser visto  na foto.

Os efeitos da temperatura, dos concentradores de tensão e de tensões residuais não eram bem compreendidos. Por esse motivo (desconhecimento metalúrgico da solda e dos materiais) os navios da série Liberty tornaram-se um exemplo clássico de acidentes provocados por fratura frágil até os dias de hoje.  Muitos deles acabavam afundando antes de cumprir a travessia do Atlântico, alguns fraturavam em alto mar e outros atracados no porto onde foi observado que o material perdia ductilidade necessária para resistir à baixa temperatura.

Navio John  C. Butler (Classe Liberty) a esquerda sendo escoltado por navios de guerra
no Atlântico Norte, protegendo-o contra as investidas dos submarinos alemães.

A ductilidade dos materiais está relacionada a temperatura e a presença de impurezas.
Materiais dúcteis se tornam frágeis a temperaturas mais baixas. Isto pode gerar situações desastrosas caso a temperatura de teste do material não corresponda à temperatura efetiva de trabalho.
A fratura por fadiga ocorre pela aplicação de tensões variáveis ao logo do tempo e é muito comum em equipamentos que trabalham com sobrecarga cíclica, como componentes de máquinas, asas de aviões, pontes e navios. A resistência à fadiga representa, para um dado valor de tensão, o número de ciclos que o material suporta até romper.

Os navios tipo Liberty, da época da 2ª Guerra, que literalmente quebraram ao meio.
 Eles eram fabricados de aço com baixa concentração de carbono, 
que se tornou frágil em contato com as águas frias do mar.
Observa-se a relação da queda de energia necessária para o rompimento
do corpo de prova com a queda de temperatura.



A baixa temperatura é um fator de extrema importância no comportamento frágil dos metais. Na fratura frágil, a energia necessária para propagar a fratura é normalmente baixa. Devido à pequena energia absorvida, geralmente as fraturas frágeis são de grandes proporções, podendo ser catastróficas como no clássico exemplo dos navios da série Liberty, construídos durante a Segunda Guerra Mundial.

Foram construídos 4694 navios deste tipo, dos quais 1289 sofreram fratura frágil. Destas, 233 foram catastróficas, com perda completa e, em 19 casos, os navios partiram-se ao meio, como os navios tanques SS Schenectady e o Charles S. Haight, mostrados nas fotos abaixo. O primeiro fraturou em 16 de janeiro de 1943, atracado no píer de acabamento do estaleiro, com mar calmo. A fratura frágil foi súbita, sem aviso e foi ouvida pelo menos a 1500 metros de distância. Fraturas deste tipo ocorreram tanto em mares turbulentos como no cais, principalmente no inverno. Com a diminuição da temperatura, foi evidenciada pela fratura dos navios a modificação no comportamento do aço de dúctil para frágil.
Fratura frágil em navios Liberty ainda no porto. O SS Schenectady a direita.

Navio Charles S. Haight - Vista da ruptura entre a secção central do navio e popa. 

Navio Charles S. Haight - detalhe do rompimento do casco.

Na época sobraram muitas críticas ao processo de soldagem, ao ensaio Charpy e a metodologia de projeto (resistência dos materiais), o que levou ao desenvolvimento de uma nova abordagem técnica, conhecida hoje como Mecânica da Fratura.

Charles S. Haight - vista da popa adernada para bombordo.

Entretanto, temos que salientar que a construção dos navios da classe Liberty fazia parte do "esforço de guerra" norte-americano e, portanto, tinha que ser baratos e rápidos construir.
Construídos para substituir os navios torpedeados pelos submarinos U-Boat nazistas, foram montados rapidamente (pouca mais de três meses) para garantir a uma linha de suprimentos para  Inglaterra. Até hoje foi o maior número de navios construídos a partir de um único projeto que previa uma vida útil de cinco anos. No ápice da construção o navio Robert E. Peary construído pelos estaleiros Oregon Shipbuilding Corporation de Portland / Oregon, iniciou sua construção em 08/11/1942 e foi lançado ao mar dia 15/11/1942 (uma semana). Sem sombra de dúvida, um recorde que provavelmente vai demorar muito para ser quebrado.

Um dos estaleiros norte americanos que construíram os Liberty.

Os Liberty, inicialmente conhecidos como os "navios de cinco anos de vida útil", continuaram a singrar os mares do mundo inteiro por muito mais tempo que o planejado, sendo que o último Liberty a operar comercialmente foi o chinês Zhan Dou 43, que navegou até 1987.
A verdade é que muitos desses navios sobreviveram muito tempo além da expectativa prevista, porém os que falharam catastroficamente atraem mais a atenção, e com toda razão, já que um terço da frota Liberty fraturou.

SS Jeremiah O'Brien, construído em 56 dias em 1943.
Hoje, navio-museu, atracado no porto de San Francisco (EUA).

A lição que podemos tirar dessa história foram os prejuízos materiais e perdas de vidas, fruto da pressa e do desconhecimento técnico, porém, concebíveis em tempos de conflito onde pela época e a emergência da situação, o controle de qualidade era quase inexistente. Por mais insensível que possa parecer "Guerra é Guerra". Não justifica, mais explica o porquê de tantas falhas, daqueles funestos anos de guerra (1939 a 1945).



Podemos citar, neste caso, um velho ditado que retrataria a correria em um estaleiro para se construir um navio da classe Liberty: "Ou vai, ou racha". Pois é, 1/3 dos navios racharam!!!!!

CASO CORRELATO
(CLICK NO TÍTULO)




Fonte:
  
Arnobio Ignacio Vassem Júnior - Estudo de Efeitos Dinâmicos até o Início da Fratura Frágil.

Prof. Carlos Baptista - Ensaios de Materiais/Universidade de São Paulo.

Prof. Cláudio  G.  Schön, Prof. André Paulo  Tschiptschin e Prof. Hélio Goldenstein -
Fratura dos Materiais - Noções de Mecânica da Fratura.

Fotos do Charles S. Haight por Ted Dow.

Explanação das aulas do professor Maurício de Oliveira
da Equipe de Formação de Inspetores – EFI / SINDIPETRO-LP.



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Caso 049: Explosão do Gasômetro de Santos-SP (1967).

Na madrugada de 9 de janeiro de 1967 por volta da 3:00h, uma forte explosão foi ouvida em toda a cidade, a vários quilômetros de distância, provocando uma labareda (BLEVE) de cerca de 100 metros: era o fim do Gasômetro, extinguindo definitivamente com o serviço de gás encanado em Santos.

Na foto pode-se ver os cinco vasos cilíndricos e o
tanque balão (a direita) do Gasômetro de Santos.
Fotos: José Dias Herrera.
Até aquela ocasião, o Município contava com o serviço de gás encanado residencial, administrado pela Cidade de Santos Serviços de Eletricidade e Gás (CSEG), que antes era operado pela Cia. City, abrangendo também o município de São Vicente.
O gasômetro de Santos, que funcionava na Rua Marechal Pego Júnior, 114, na Vila Nova, a explosão danificou residências num raio de cinco quarteirões. Mesmo nos bairros vizinhos, a onda de choque da explosão arrancou telhados e portas, fez paredes desabarem  e destruiu vidros de janelas a até 2 km de distância do gasômetro, inclusive na orla da praia onde muitos correram para procurar refúgio. Carros parados se precipitaram uns contra os outros. No rastro da destruição, cerca de 300 feridos, em grande parte durante os momentos de pânico em que as pessoas tentavam fugir da zona de perigo. Não houve vítimas fatais. Pelo menos, essa é a versão oficial.

Falta de inspeção e manutenção extinguiram o serviço
de gás encanado em Santos e em São Vicente.

Registros históricos mostram que Santos foi uma das primeiras cidades do País a contar com esse tipo de fornecimento de gás. O serviço foi implementado a partir de 1870.
Na ocasião da explosão o Gasômetro de Santos (assim era denominada popularmente) possuía cinco reservatórios (vasos de pressão cilíndricos horizontais), cada um com capacidade de 1.658 m³ de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) e um tanque balão de armazenamento, que com a explosão ficou bastante danificado.

Rua Marechal Pego Júnior, 114, na Vila Nova.
As construções no entorno do gasômetro foram bastante afetadas pela explosão.

CAUSA

Apesar de o Regime Militar tentar atribuir o episódio a grupos terroristas esquerdistas do "comunismo galopante" da época (um quartel do Exército ficava próximo ao gasômetro), segundo a perícia técnica, foi constatado que as instalações do Gasômetro de Santos estavam em péssimas condições de conservação apresentando claros sinais de corrosão.
Foi apontada pela perícia que o vaso de pressão n.5 estava corroído e não apresentava qualquer segurança. O risco era tão alto que a CSEG iria interditá-lo nos próximos dias, segundo revelaram funcionários. Um fragmento do casco do vaso comprova as denúncias: sua espessura não ia além de 6,3 mm, quando originalmente era de 15,8 mm.
Outra falha de segurança foi a proximidade dos cabos de alta tensão (6.000 volts) que passavam a poucos metros dos reservatórios de gás.  Uma faísca perdida associada ao vazamento provocado pela falta de manutenção (perda de espessura da chapa do costado) teria provocado a ignição necessária causando a explosão.
Fonte:

Jornal A Tribuna


CASOS CORRELATOS 
(atmosfera inflamável + ignição por faísca elétrica)














domingo, 17 de novembro de 2013

Caso 048: Ruptura de Tubulação por Corrosão-Erosão (2004).

Em 09 de agosto de 2004 uma súbita ruptura em uma linha de água quente pressurizada atingiu onze pessoas que estavam na sala de turbinas da Usina Nuclear de Mihama (Japão), e ficaram gravemente queimados (escaldados). Quatro deles morreram no mesmo dia do acidente.

Linha rompida do Sistema de Vapor Secundário do reator n.03 de Mihama (Japão).

CAUSA

A causa de acidente, foi a ruptura catastrófica de um tubo de transporte de água quente sob pressão no interior do circuito secundário da estação de alimentação, depois de ter passado através do permutador de calor e da turbina e antes de ser devolvido para o gerador de vapor (ver esquema do circuito abaixo). Repentinamente, a tubulação rompeu, e uma enorme explosão de vapor foi lançado para a sala de turbinas.
A ruptura ocorreu em uma parte reta da linha confeccionada em aço carbono de 56 centímetros (22 polegadas) de diâmetro, de transporte de água pressurizada. O reator em sua potência máxima opera com vapor a uma temperatura de 195°C, sob uma pressão de 12,7 Kgf/cm2, porém, segundo informações da usina, no momento do acidente, a temperatura era de 140°C e a pressão era de 9,0 Kgf/cm2.
Quando a usina foi construída, a parede da tubulação foi projetada com 10 mm de espessura (3/8” aproximadamente), já considerando  a sobre espessura de corrosão, e por projeto poderia atingir pelo menos até 4,7 milímetros de espessura para se manter seguro (espessura mínima), entretanto, foi quase completamente erodida alcançado 1,4 a 1,5 mm de espessura. Essa baixa espessura foi observada em uma grande área em redor da zona de ruptura.



SUCESSÃO DE FALHAS

Para evitar acidentes similares devidos outros ocorridos no Japão e nos EUA, a indústria nuclear desenvolveu diretrizes para verificação das linhas do sistema de refrigeração secundário. Essas diretrizes entraram em operação em 1990, embora a sua execução é voluntária, refletindo a baixa prioridade atribuída ao sistema de refrigeração secundário. As diretrizes recomendam vários locais que devem ser verificados. De particular relevância para este caso, que incluem locais dentro de uma distância de duas vezes o diâmetro do tubo de potenciais fontes de turbulência. Uma dessas fontes é o chamado medidor 'orifício' ou placa de orifício. A tubulação rompida do sistema de refrigeração secundário do reator n.03 de Mihama em quase exatamente dois diâmetros a jusante de uma placa de orifício restringia o diâmetro da linha através do qual os fluxos de água e a diferença de pressão a montante e a jusante do orifício é usado para medir o fluxo. No entanto, reconhece-se que o fluxo turbulento provocado pelo orifício aumenta a taxa de erosão do tubo, de modo a espessura do tubo deve ser verificado mais regularmente do que outras áreas.


Isso reflete uma falha grave, tanto na fase de projeto de engenharia, onde a turbulência provocada pela placa de orifício não foi prevista ou amenizada e o fenômeno de corrosão-erosão foi subestimado ou negligenciado já que tubulações semelhantes nos últimos anos, em outras usinas nucleares, vêm sendo substituídos sistematicamente por tubulações de aço inoxidável. Outra grande falha foi não seguirem uma rigorosa rotina de inspeção. Inspeções periódicas, realizadas corretamente, utilizando END por ultrassom para medição de espessura, teria revelado o estado a perda de massa da parede do tubo.
Uma vez que a água do sistema secundário na Unidade 03 de Mihama sofre controle químico, era de se esperar que pudesse haver corrosão no aço carbono, portanto, medições de espessura por ultrassom deveriam ser efetuadas regularmente.

Rompimento evidenciou baixa espessura da
parede provocada pela corrosão-erosão.

O reator 03 de Mihama, fabricada pela a Mitsubishi (reator de 826/780 MW), entrou em operação em fevereiro de 1976 e, portanto, está em funcionamento há 28 anos e deveria ter sido objeto de pelo menos duas grandes inspeções (1986 e 1996). Grandes paradas de manutenção e inspeção em usinas nucleares são normalmente realizadas a cada 10 anos. Estas inspeções são particularmente detalhadas. Como poderia não ter detectado esse defeito? Segundo a Kasai Electric Power Corporation - KEPCO, empresa operadora da usina de Mihama, esta linha não foi inspecionada minuciosamente uma vez sequer desde que o reator foi colocado em operação. Parece, então, que houve um ou vários casos de incompetência e negligenciamento. A KEPCO publicamente admitiu a sua responsabilidade e declarou que a tubulação sofreu apenas inspeções visuais, mas nunca medição de espessura por ultrassom. Segundo a empresa, as inspeções pelo método ultrassônico para estas tubulações não são obrigatórias, porém, admitiu que seria uma das formas mais eficaz de detectar a corrosão-erosão interna de tubulações que operam nestas condições. A KEPCO havia recentemente adiado uma inspeção aprofundada nesta linha de água quente pressurizada, bem antes da falha. A inspeção da linha havia sido planejada e deveria ter sido realizada há vários meses, mas a KEPCO decidiu adiar esta inspeção até a próxima para de manutenção.

Material inadequado e turbulência provocada por uma placa de orifício
"colaboraram" para aceleração do mecanismo de dano.

Notamos, que vários erros foram cometidos em diferentes níveis:  

1-) A linha em aço carbono facilmente susceptível a corrosão nestas condições de operação, não foi dada a devida importância quanto ao acompanhamento de sua integridade, ainda mais sabendo-se que uma placa de orifício estava presente no trecho podendo causar  turbulência agravando o processo de erosão a jusante;
2-) As autoridades de segurança japonesas já havia emitido para todas as usinas nucleares japonesa, documento que recomendava a substituição de tubos de aço carbono para aço inoxidável já que outros casos já haviam ocorridos em sistemas idênticos ao de Mihama;
3-) A inspeção planejada (já com atraso) foi adiada. Demonstra imperícia no gerenciamento de riscos e de custos necessários.
Uma das dúvidas que pairam neste caso é se o reator nuclear que foi desligado automaticamente no momento do acidente pela queda de pressão (detectada por instrumentos) quando ocorreu a ruptura da linha, provocando a parada de emergência do reator (que é o mais provável ) ou se algum outro evento levou ao desligamento automático do reator, causando um excesso de pressão no sistema de tubulação a montante do reator fazendo com que a parede da tubulação enfraquecida pela corrosão rompe-se.

A segunda hipótese (supracitada) foi confirmada no Caso 040: Corrosão-Erosão em Usina Nuclear / Virgínia-EUA (1986) e pode ser visto clicando AQUI. Outro caso relacionado a usina nuclear de Mihama relacionada  a fadiga mecânica em tubos do gerador primário veja AQUI.

CONSEQUÊNCIAS

Os 11 trabalhadores que foram escaldados (quatro morreram no local) estavam próximos da linha quando esta se rompeu. Alguns deles tiveram queimaduras corporais graves, porque eles receberam rajadas de vapor diretamente em seus corpos, e outros com os pulmões gravemente queimado por terem respirado o vapor quente, uma vez que o mesmo se espalhou por toda a sala da turbina.

 
Na  foto a esquerda, tirada em 09 agosto de 2004, pode-se ver o vapor saindo do prédio da turbina do reator número 03 da usina nuclear de Mihama. Esse vapor chega a partir do interior da câmara da turbina (construção retangular a esquerda da foto). O reator contendo o combustível nuclear está localizada dentro do confinamento de concreto de forma circular. O reator nuclear, a construção de confinamento, e o circuito primário não foram afetados pelo acidente. A parte nuclear da instalação não foi afetada. Nenhuma radiação vazada e o reator manteve-se sempre sob controle e segura. A foto da direita, também foi no dia do acidente.

Para se ter uma ideia da quantidade de vapor que “sufocou” os trabalhadores de Mihama na sala de turbinas, o fluxo no circuito secundário da usina é aproximadamente 1.600 toneladas de água por hora, cerca de 26,6  toneladas por minuto, ou , se quiser, quase uma tonelada a cada dois segundos com uma pressão de cerca de 10 kgf/cm2. Quando ocorreu a ruptura da tubulação, a pressão reduziu e a água a 140°C, transforma-se em vapor instantaneamente projetando-se rapidamente para fora da tubulação até preencher totalmente a sala de turbinas. Um cálculo breve sugere que levaria apenas 2 minutos para encher uma sala de dimensões 100m x 50m x 20m.
A estimativa da KEPCO é que um total de 800 toneladas de água escaparam. A base para essa estimativa ainda não é clara, mas, aparentemente, cerca de metade disso escapou do sistema de refrigeração secundário e a outra metade do sistema de água de alimentação auxiliar. Havia 1.100 toneladas de água no sistema de refrigeração secundário.



Em qualquer caso, como o acidente Mihama é razoável lembrar que não há energia sem risco e que água pressurizada quente (se produzido em um reator nuclear ou não) é perigosa e deve ser tratada com precaução. Acidentes são sempre possíveis, e temos de ser extremamente vigilantes e prudentes para criar e fortalecer uma cultura de segurança e meticulosamente respeitar as regras. Apesar de ainda ser mais raros do que antes, acidentes de trabalho devido à corrosão de tubos e explosões de vapor ainda são frequentes.
Nenhuma radioatividade foi liberada no meio ambiente. O acidente não foi nuclear, mas industrial - que poderia ter acontecido em qualquer estação de energia se aquecida por energia nuclear ou pela queima de combustíveis fósseis. Portanto, devemos enfatizar a natureza não nuclear deste acidente. Foi um acidente industrial.

Fonte:

Kansai Electric Power Corporation – KEPCO.
Bruno Comby / Environmentalists for Nuclear Energy - EFN.
Citizens' Nuclear Information Center – CNIC. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Caso 047: Explosão em Torre de Destilação (2000).

Em janeiro de 2000, um incêndio ocorreu devido a uma explosão em uma fábrica química em Changhua County, Taipé, Taiwan. A explosão foi iniciada na torre de destilação e fortes evidências indicam que começou quando um trabalhador ligou a furadeira elétrica e causou a explosão de uma nuvem do vapor de tolueno altamente inflamável confinada na torre.

Vista geral da estrutura que envolvia a torre de destilação, após a explosão.

EFEITO EM CASCATA

A onda explosiva rompeu a torre e espalhou o solvente orgânico e provocou incêndio. Em virtude disso, o tolueno e a resina epóxi que escaparam da torre, produziram uma bola de fogo conhecida como Bleve (explosão de vapor em expansão de liquido em ebulição) e causou a ruptura da estrutura da edificação e tubulações. Sequencialmente, mais explosões e fogo ocorreram, atingindo centenas de tambores de armazenamento de diversos tipos de solventes orgânicos.
Os bombeiros locais não conseguiram entrar na fábrica e somente circunscreveram o fogo, lançando água a distância.
Infelizmente, dois trabalhadores ficaram seriamente queimados e morreram no hospital.

Fragmentos da torre, após o Bleve.
O fundo da torre foi encontrado no setor de manutenção.

RECOMENDAÇÕES

O inspetor de equipamento como qualquer outro profissional da área de manutenção, quando estiver envolvido em trabalho a quente (reparos com soldas, esmerilhamento, entre outros) em área confinada com vapores orgânicos deve se perguntar se as medidas de precauções para evitar uma explosão de uma nuvem de vapor, principalmente se esta nuvem estiver contida em um espaço confinado (Exemplo: interior de equipamentos como um vaso de pressão) foram verificadas por um Técnico de Segurança do Trabalho.
Durante a inspeção e os trabalhos de reparos em interior de equipamentos, utilize sempre luminária à prova de explosão em atmosferas comprovadamente explosivas mesmo que o equipamento esteja aparentemente ventilado. Evite correr riscos desnecessários. Ferramentas elétricas sempre geram faíscas que podem ignizar uma explosão deste tipo.

A resina epóxi gelatinosa espalhou-se rapidamente e uma furadeira elétrica foi
encontrada na resina. Muito provável que era  a furadeira
utilizada pelo trabalhador no interior na torre.

Ao conduzir uma inspeção do equipamento, verifique se as etapas necessárias para assegurar que a segurança de trabalho a quente em uma área ocupada com os vapores inflamáveis foram obedecidas conforme as exigências da NR-33 Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados.
A NR-33 tem como objetivo estabelecer os requisitos mínimos para identificação de espaços confinados e o reconhecimento, avaliação, monitoramento e controle dos riscos existentes, de forma a garantir permanentemente a segurança e saúde dos trabalhadores que interagem direta ou indiretamente nestes espaços.

Fonte:

Institute of Occupational Safety and Health (IOSH), Taiwan.
NR-33 Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados.
zonaderisco.blogspot.com.br

domingo, 10 de novembro de 2013

Caso 046: Gelo Rompe Tubulação.

Uma seção de tubulação de uma refinaria de petróleo havia sido desativada durante uma modificação da planta de processo. A tubulação não fora fisicamente removida, nem isolada do restante do sistema por meio da utilização de raquetes ou flanges cegos. Ao invés disso, foi isolada somente com válvulas de bloqueio.

Danos causados pela explosão da linha desativada de propano.

Na tubulação em operação (ativa) o produto transportado era o propano líquido sob elevada pressão e que continha uma pequena quantidade de água na fase líquida (fase aquosa separada do propano).
Detritos presos na sede de uma das válvulas de bloqueio impediram seu fechamento completo. Isso permitiu a passagem de propano líquido para tubulação desativada. A água que é mais pesada que o propano líquido acumulou-se no ponto mais baixo da tubulação desativada.
Durante o inverno, a água que havia acumulado nessa tubulação congelou. A água ao congelar, se expande, e essa expansão ocasionou a ruptura dessa tubulação desativada. Quando “tempo esquentou”, o gelo derreteu ocorrendo o vazamento de propano proveniente da passagem da válvula de bloqueio da tubulação em uso, ainda interligada e mal isolada da tubulação desativada. Uma grande nuvem de vapor inflamável se formou e logo encontrou uma fonte de ignição.

Local da ruptura.

O incêndio resultante dessa ruptura da tubulação causou ferimentos em quatro pessoas, a refinaria teve de ser evacuada e ficou parada por aproximadamente dois meses. O incêndio causou danos consideráveis a outros equipamentos e tubulações, resultando na liberação de mais materiais inflamáveis  e rápida expansão do incêndio. Ocorreu o vazamento de mais de duas toneladas de gás cloro proveniente de cilindros atingidos pelas chamas.
Um dos "colaboradores" que foi apontado para ocorrência de mais vazamentos após o incêndio inicial, foi o colapso de uma coluna estrutural do pipe rack devido falha do fireproofing em uma das vigas de sustentação. Esta não suportou o calor das chamas, rompendo outras tubulações ao sucumbir.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

  • Certifique-se de que todas as modificações de processo incluindo a retirada de operação de equipamentos e tubulações passem por uma revisão de gestão de mudanças. Esses equipamentos fora de serviço podem cair no esquecimento e acabar fora da rotina de inspeção e de procedimentos operacionais, tais como, drenagens de condensados de pontos baixos que podem, por exemplo, corroer aquele ponto do equipamento caso a condensação seja ácida e o material susceptível;
  • Assegure-se de que todos os equipamentos de uma instalação industrial fora de operação estejam fisicamente desconectados do sistema de produção ou completamente isolados empregando raquetes ou flanges cegos ou outro sistema de isolamento comprovadamente confiável. Válvulas podem dar passagem e não devem ser considerados como confiáveis do ponto de vista de isolamento de tubulações e equipamentos;



Pipe rack destruído (falha no fireproofing?) pela linha desativada mal isolada.

  • A água, ao contrário de muitos materiais, se expande quando congelada. Se a água for isolada numa parte fechada de um equipamento ou uma seção isolada de tubulação, o gelo formado pelo congelamento dessa água causará enorme pressão, sendo capaz de romper a tubulação ou equipamento;
  • Considere os perigos potenciais de acumulação de material em derivações de tubulações que não estejam em uso, ou que estejam submetidas a baixas vazões. Derivações de conexões de tubulações de processo com pouca ou nenhuma vazão podem ter  mesmo risco de acumular água em pontos baixos dessas tubulações.

Fonte:

Center for Chemical Process Safety – CCPS.
Explanação das aulas do professor Sérgio de Paula
da Equipe de Formação de Inspetores – EFI / SINDIPETRO-LP.

domingo, 3 de novembro de 2013

Caso 045: Ruptura de Gasoduto em Appomattox (2008).

Em 14 de setembro de 2008 em Appomattox um condado com um pouco mais de 1700 habitantes, na Virginia (EUA), uma tubulação de gás natural se rompeu, formando uma bola de fogo, de mais de 1000 metros de diâmetro, ferindo 5 pessoas (três sofreram queimaduras de segundo e terceiro grau). Noventa e cinco casas foram afetadas e duas casas foram destruídas. Embora o município ser predominantemente rural, havia um aglomerado de casas próximo ao gasoduto.

Local da explosão.

A seguir, cronologia dos acontecimentos em Appomattox:

07:44: Linha “B” rompido e o sistema dispara um alarme de vazamento;
07:46: O gás vazado é ignizado por um fio caído de um poste da rede elétrica que gerou um faiscamento;
07h59: Os compressores são desligados;
08h10: A válvula de bloqueio a montante é fechada;
08h20: A válvula a jusante é bloqueada.

Detalhe da ruptura.

Acredita-se que a ruptura aconteceu em três etapas no período de dois minutos antes da ignição:
  1. A pressão do duto era de 56 kgf/cm2 (abaixo da pressão máxima trabalho admissível-PMTA), porém, com o rompimento foi o suficiente para que o gás lançasse fortemente rochas e sedimentos pelo ar. O rugido foi ensurdecedor e um tremor de terra que fez que muitas pessoas acreditar em um acidente de avião ou terremoto;
  2. Com a ruptura do duto de 30” , uma seção de 32 metros de comprimento do tubo de rasgou e saltou do chão. O segundo tubo que corria paralelamente, idêntico ao primeiro, também se rompeu. O ruído do gás escapando ficou mais alto;
  3. Para completar a rede de eventos que levaram ao desastre, um fio da linha de alimentação da rede elétrica do condado, nas proximidades do local onde ocorreu o vazamento, foi apanhado por vendaval que partiu o fio (condução elétrica) do posteamento e atingiu o chão, fazendo com que uma faísca ignizasse o gás;
  4. O bloqueamento da linha ocorreu após 36 minutos a partir do primeiro alarme de queda de pressão. Assim o fogo foi gradualmente perdendo força, permitindo que as equipes de emergência entrassem na área com segurança.

Pedaço do duto arremessado com a explosão.

SEGURANÇA

Os bombeiros que atuaram eram todos voluntários e bem treinados. Simulados já tinham sido realizados com a empresa operadora, Williams Gas Co. a mesma do gasoduto rompido, para se preparar para situações de emergência como estas. A atuação dos brigadistas e técnicos de segurança e operação foram considerados exemplares e o maior resultado desse esforço coordenado foi a inexistência de perda de vidas já que o potencial para que isso ocorresse era considerável.
A resposta coordenada ao acidente de Appomattox destaca uma tendência crescente na indústria do gás em responder prontamente a este tipo de desatre. O setor de transporte de gás natural, sob o patrocínio da Associação Interestadual de Gás Natural da América (INGAA), desenvolveu um programa para facilitar respostas coordenadas, tal como aconteceu em Appomatox.

Vista área do local da explosão.

A lição de Appomattox é que quanto mais as empresas de gás e os responsáveis pela segurança da comunidade local conheceram os riscos de explosões de oleodutos e radiação térmica, melhor poderão se proteger e responder ao evento com segurança.
Foi discutido na ocasião se sensores de ruptura seriam eficazes para o fechamento rápido de válvulas automatizadas no instante da ruptura de uma linha. Porém, constatou-se que não haveria qualquer redução significativa na taxa de vazamento de gás nos primeiros cinco minutos. Assim, o fechamento das válvulas prontamente não terá impacto sobre a segurança das pessoas que tentam escapar de um acidente como esse. O fechamento instantâneo de válvulas não teria protegido as pessoas em Appomattox. Seus ferimentos e fuga ocorreram nos primeiros quatro ou cinco minutos. Por outro lado, fechar as válvulas prontamente (neste caso, dentro de 36 minutos) reduz danos materiais. O incêndio continuará até que o gás natural seja “esgotado” no trecho isolado pelo bloqueamento das válvulas a jusante e a montante do local da ruptura.

Residência atingida pelo incêndio.

CAUSAS

Segundo os inspetores federais da Department of Transportation Pipeline and Hazardous Materials Safety Administration (PHMSA), encarregados de investigar o rompimento do gasoduto de gás natural em Appomattox, as análises indicam que houve um certo grau de perda de espessura próximo ao local da ruptura devido à corrosão, que não foram constatadas nas inspeções anteriores.
Em operação normal, o gás é empurrado através daquelas linhas a 56 kgf/cm2. A operadora dos dutos, Williams Gas Co. imediatamente baixou a pressão para 47 kgf/cm2 após a explosão de 14 de setembro e logo a PHMSA exigiu da operadora Williams, para abaixá-lo até 45 kgf/cm2, entendendo que a esta pressão, o gasoduto poderia operar com segurança naquele momento.
A linha “B” de 30” de diâmetro (linha que sofreu a ruptura), instalada em 1955, é revestida com esmalte asfáltico e protegida por um sistema de proteção catódica (click AQUI para saber mais) por corrente impressa utilizada para prevenir a corrosão. As linhas adjacentes A e C linhas são protegidas da mesma forma.
Medições de diferença potencial entre o duto e o solo realizadas em 2006 foram baixas, indicando segundo a operadora do gasoduto, eficácia do SPC. Entretanto, a empresa admitiu que tomaria medidas para melhorar essas leituras em 2007, mas não ficou claro até o momento, segundo a inspeção federal, se isso foi efetivamente realizado.

O gasoduto que atravessa Appomattox é parte da
 linha transmissora, que se estende desde o Golfo do México
para Nova York, incluindo 1380 km em Virgínia.


Em outubro de 2007, a PHMSA emitiu um Auto de Infração Provável e Penalidade Civil apontando que cinco retificadores de corrente impressa da Williams Gas Co. que protegiam as linhas da corrosão do solo, não estavam funcionando corretamente. Um desses retificadores situa-se a 3,8 km do local da explosão.
Os relatórios de inspeção do gasoduto foram levantados pelo PHMSA e foi constatado que a linha “A” foi inspecionada em 2000  e que um trecho de  11 metros teve que ser substituído perto do local de falha. As linhas “B” e “C” foram inspecionadas em 2008 antes do acidente e que um trecho de 200 metros da linha “C”, foi substituído.
Após o acidente a operadora Williams inspecionou tanto a linha “A” como a “C” e relatou que as linhas aparentemente estão em bom estado de conservação. Inspetores de dutos revisaram todas as informações e medidas coletadas nas inspeções do SPC nas três linhas, levando-os a desenterrar 20 pontos onde os reparos foram necessários entre 4,8 km ao sul do local da explosão e indo 96 km ao norte.
Ao que tudo indica a causa provável foi a falha do SPC, que mascarou a leitura de diferença do potencial naquele trecho ou negligência na interpretação dos dados coletados pelo SPC.



Fonte:

Department of Transportation Pipeline and Hazardous Materials Safety Administration (PHMSA)
Williams Gas Co.
Carrie J. Sidener