domingo, 17 de novembro de 2013

Caso 048: Ruptura de Tubulação por Corrosão-Erosão (2004).

Em 09 de agosto de 2004 uma súbita ruptura em uma linha de água quente pressurizada atingiu onze pessoas que estavam na sala de turbinas da Usina Nuclear de Mihama (Japão), e ficaram gravemente queimados (escaldados). Quatro deles morreram no mesmo dia do acidente.

Linha rompida do Sistema de Vapor Secundário do reator n.03 de Mihama (Japão).

CAUSA

A causa de acidente, foi a ruptura catastrófica de um tubo de transporte de água quente sob pressão no interior do circuito secundário da estação de alimentação, depois de ter passado através do permutador de calor e da turbina e antes de ser devolvido para o gerador de vapor (ver esquema do circuito abaixo). Repentinamente, a tubulação rompeu, e uma enorme explosão de vapor foi lançado para a sala de turbinas.
A ruptura ocorreu em uma parte reta da linha confeccionada em aço carbono de 56 centímetros (22 polegadas) de diâmetro, de transporte de água pressurizada. O reator em sua potência máxima opera com vapor a uma temperatura de 195°C, sob uma pressão de 12,7 Kgf/cm2, porém, segundo informações da usina, no momento do acidente, a temperatura era de 140°C e a pressão era de 9,0 Kgf/cm2.
Quando a usina foi construída, a parede da tubulação foi projetada com 10 mm de espessura (3/8” aproximadamente), já considerando  a sobre espessura de corrosão, e por projeto poderia atingir pelo menos até 4,7 milímetros de espessura para se manter seguro (espessura mínima), entretanto, foi quase completamente erodida alcançado 1,4 a 1,5 mm de espessura. Essa baixa espessura foi observada em uma grande área em redor da zona de ruptura.



SUCESSÃO DE FALHAS

Para evitar acidentes similares devidos outros ocorridos no Japão e nos EUA, a indústria nuclear desenvolveu diretrizes para verificação das linhas do sistema de refrigeração secundário. Essas diretrizes entraram em operação em 1990, embora a sua execução é voluntária, refletindo a baixa prioridade atribuída ao sistema de refrigeração secundário. As diretrizes recomendam vários locais que devem ser verificados. De particular relevância para este caso, que incluem locais dentro de uma distância de duas vezes o diâmetro do tubo de potenciais fontes de turbulência. Uma dessas fontes é o chamado medidor 'orifício' ou placa de orifício. A tubulação rompida do sistema de refrigeração secundário do reator n.03 de Mihama em quase exatamente dois diâmetros a jusante de uma placa de orifício restringia o diâmetro da linha através do qual os fluxos de água e a diferença de pressão a montante e a jusante do orifício é usado para medir o fluxo. No entanto, reconhece-se que o fluxo turbulento provocado pelo orifício aumenta a taxa de erosão do tubo, de modo a espessura do tubo deve ser verificado mais regularmente do que outras áreas.


Isso reflete uma falha grave, tanto na fase de projeto de engenharia, onde a turbulência provocada pela placa de orifício não foi prevista ou amenizada e o fenômeno de corrosão-erosão foi subestimado ou negligenciado já que tubulações semelhantes nos últimos anos, em outras usinas nucleares, vêm sendo substituídos sistematicamente por tubulações de aço inoxidável. Outra grande falha foi não seguirem uma rigorosa rotina de inspeção. Inspeções periódicas, realizadas corretamente, utilizando END por ultrassom para medição de espessura, teria revelado o estado a perda de massa da parede do tubo.
Uma vez que a água do sistema secundário na Unidade 03 de Mihama sofre controle químico, era de se esperar que pudesse haver corrosão no aço carbono, portanto, medições de espessura por ultrassom deveriam ser efetuadas regularmente.

Rompimento evidenciou baixa espessura da
parede provocada pela corrosão-erosão.

O reator 03 de Mihama, fabricada pela a Mitsubishi (reator de 826/780 MW), entrou em operação em fevereiro de 1976 e, portanto, está em funcionamento há 28 anos e deveria ter sido objeto de pelo menos duas grandes inspeções (1986 e 1996). Grandes paradas de manutenção e inspeção em usinas nucleares são normalmente realizadas a cada 10 anos. Estas inspeções são particularmente detalhadas. Como poderia não ter detectado esse defeito? Segundo a Kasai Electric Power Corporation - KEPCO, empresa operadora da usina de Mihama, esta linha não foi inspecionada minuciosamente uma vez sequer desde que o reator foi colocado em operação. Parece, então, que houve um ou vários casos de incompetência e negligenciamento. A KEPCO publicamente admitiu a sua responsabilidade e declarou que a tubulação sofreu apenas inspeções visuais, mas nunca medição de espessura por ultrassom. Segundo a empresa, as inspeções pelo método ultrassônico para estas tubulações não são obrigatórias, porém, admitiu que seria uma das formas mais eficaz de detectar a corrosão-erosão interna de tubulações que operam nestas condições. A KEPCO havia recentemente adiado uma inspeção aprofundada nesta linha de água quente pressurizada, bem antes da falha. A inspeção da linha havia sido planejada e deveria ter sido realizada há vários meses, mas a KEPCO decidiu adiar esta inspeção até a próxima para de manutenção.

Material inadequado e turbulência provocada por uma placa de orifício
"colaboraram" para aceleração do mecanismo de dano.

Notamos, que vários erros foram cometidos em diferentes níveis:  

1-) A linha em aço carbono facilmente susceptível a corrosão nestas condições de operação, não foi dada a devida importância quanto ao acompanhamento de sua integridade, ainda mais sabendo-se que uma placa de orifício estava presente no trecho podendo causar  turbulência agravando o processo de erosão a jusante;
2-) As autoridades de segurança japonesas já havia emitido para todas as usinas nucleares japonesa, documento que recomendava a substituição de tubos de aço carbono para aço inoxidável já que outros casos já haviam ocorridos em sistemas idênticos ao de Mihama;
3-) A inspeção planejada (já com atraso) foi adiada. Demonstra imperícia no gerenciamento de riscos e de custos necessários.
Uma das dúvidas que pairam neste caso é se o reator nuclear que foi desligado automaticamente no momento do acidente pela queda de pressão (detectada por instrumentos) quando ocorreu a ruptura da linha, provocando a parada de emergência do reator (que é o mais provável ) ou se algum outro evento levou ao desligamento automático do reator, causando um excesso de pressão no sistema de tubulação a montante do reator fazendo com que a parede da tubulação enfraquecida pela corrosão rompe-se.

A segunda hipótese (supracitada) foi confirmada no Caso 040: Corrosão-Erosão em Usina Nuclear / Virgínia-EUA (1986) e pode ser visto clicando AQUI. Outro caso relacionado a usina nuclear de Mihama relacionada  a fadiga mecânica em tubos do gerador primário veja AQUI.

CONSEQUÊNCIAS

Os 11 trabalhadores que foram escaldados (quatro morreram no local) estavam próximos da linha quando esta se rompeu. Alguns deles tiveram queimaduras corporais graves, porque eles receberam rajadas de vapor diretamente em seus corpos, e outros com os pulmões gravemente queimado por terem respirado o vapor quente, uma vez que o mesmo se espalhou por toda a sala da turbina.

 
Na  foto a esquerda, tirada em 09 agosto de 2004, pode-se ver o vapor saindo do prédio da turbina do reator número 03 da usina nuclear de Mihama. Esse vapor chega a partir do interior da câmara da turbina (construção retangular a esquerda da foto). O reator contendo o combustível nuclear está localizada dentro do confinamento de concreto de forma circular. O reator nuclear, a construção de confinamento, e o circuito primário não foram afetados pelo acidente. A parte nuclear da instalação não foi afetada. Nenhuma radiação vazada e o reator manteve-se sempre sob controle e segura. A foto da direita, também foi no dia do acidente.

Para se ter uma ideia da quantidade de vapor que “sufocou” os trabalhadores de Mihama na sala de turbinas, o fluxo no circuito secundário da usina é aproximadamente 1.600 toneladas de água por hora, cerca de 26,6  toneladas por minuto, ou , se quiser, quase uma tonelada a cada dois segundos com uma pressão de cerca de 10 kgf/cm2. Quando ocorreu a ruptura da tubulação, a pressão reduziu e a água a 140°C, transforma-se em vapor instantaneamente projetando-se rapidamente para fora da tubulação até preencher totalmente a sala de turbinas. Um cálculo breve sugere que levaria apenas 2 minutos para encher uma sala de dimensões 100m x 50m x 20m.
A estimativa da KEPCO é que um total de 800 toneladas de água escaparam. A base para essa estimativa ainda não é clara, mas, aparentemente, cerca de metade disso escapou do sistema de refrigeração secundário e a outra metade do sistema de água de alimentação auxiliar. Havia 1.100 toneladas de água no sistema de refrigeração secundário.



Em qualquer caso, como o acidente Mihama é razoável lembrar que não há energia sem risco e que água pressurizada quente (se produzido em um reator nuclear ou não) é perigosa e deve ser tratada com precaução. Acidentes são sempre possíveis, e temos de ser extremamente vigilantes e prudentes para criar e fortalecer uma cultura de segurança e meticulosamente respeitar as regras. Apesar de ainda ser mais raros do que antes, acidentes de trabalho devido à corrosão de tubos e explosões de vapor ainda são frequentes.
Nenhuma radioatividade foi liberada no meio ambiente. O acidente não foi nuclear, mas industrial - que poderia ter acontecido em qualquer estação de energia se aquecida por energia nuclear ou pela queima de combustíveis fósseis. Portanto, devemos enfatizar a natureza não nuclear deste acidente. Foi um acidente industrial.

Fonte:

Kansai Electric Power Corporation – KEPCO.
Bruno Comby / Environmentalists for Nuclear Energy - EFN.
Citizens' Nuclear Information Center – CNIC. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário