quarta-feira, 9 de abril de 2014

Caso 068: A Explosão do Betelgeuse (1979).

Em 24 de novembro de 1978, o M/T Betelgeuse parte do Porto de Ras Tanura no Golfo Pérsico com destino à Leixões – Portugal, com um carregamento com 74 mil toneladas óleo pesado, e 40 mil toneladas de óleo leve. O M/T Betelgeuse tinha 121.432 toneladas e estava registrado em nome da Total S/A, no porto de Le Havre, França e foi lançado ao mar em 1968. O navio fazia parte da frota de propriedade de economia mista (Governo da França/Acionistas).

M/T Betelgeuse (Foto: Michmagne).

Originalmente, o M/T Betelgeuse iria tocar o Porto de Sines em Portugal para aliviar parte da carga, porém as condições de tempo não permitiram. Devido a estes imprevistos o navio foi direcionado para um porto mais “seguro”, que foi o de Whiddy Island, na Irlanda.
Antes de rumar para Whiddy Island, o Betelgeuse faz uma curta passagem por Vigo, Espanha, para trocar parte da tripulação, seguindo então para Bantry Bay, porém durante a passagem pelo Golfo de Biscaia, o navio enfrentou um mar grosso, e após isto é relatado um vazamento de óleo dos tanques. Assim que descoberta a origem e sanado o problema o navio retorna ao curso normal, chegando em Bantry Bay no dia 4 de Janeiro de 1979.
No dia 08 de Janeiro as 20 horas o Betelgeuse finalmente atraca no píer offshore em Bantry Bay, com 30 metros de profundidade.
As 23h30m do mesmo dia o começa o descarregamento das 114 mil toneladas do óleo começando com o descarregamento do óleo pesado primeiro. Era esperado o fim do descarregamento dentro das próximas 36 horas. Aumenta o número de pessoas a bordo enquanto o navio descarrega, inclusive a esposa do comandante embarca enquanto o navio estava atracado.

O naufrágio do petroleiro francês Betelgeuse que explodiu no
terminal de petróleo de Whiddy Island  em 08 de janeiro de 1979 .


 A EXPLOSÃO

As 01h00m (aproximadamente) de segunda-feira (09 de Janeiro), repentinamente um som surdo e bem alto de aço contorcendo ecoa pelo cais vindo do casco do navio, seguido de uma grande explosão. A força da explosão lança os operários que estavam no cais à vários metros de distância no mar. Moradores da região relataram ter visto o Betelgeuse “engolfado” por uma grande abóboda de chamas por alguns instantes, e uma série de grandes explosões ocorrem em seguida, partindo o navio ao meio. A maior parte do óleo leve ainda estava a bordo, com isto este óleo ficou queimando gerando altas temperaturas de até 1000 °C. Todo o píer é tomado pelas chamas, dificultando a aproximação das brigadas de incêndio. Os esforços dos bombeiros se concentravam em não permitir que o pátio de tanques (12 tanques com 80 mil toneladas cada), que estavam a 360 metros do píer, não fosse atingido, e tentando a todo custo, conter o derramamento de óleo.



Os restos do Betelgeuse queimaram ainda por 12 horas. Ao final disto, a polpa do navio afundou em profundidade de 40 metros, restando apenas parte da proa que ainda permaneceu fora d’água, com bastante óleo remanescente. Somente depois de duas semanas foi possível que equipes de resgate mergulhassem na seção da polpa para resgatar os corpos que ainda estavam no interior das acomodações.

FALHAS DE GESTÃO

Anodos de sacrifício são fixados
no casco do navio.
Apenas 1 ano antes o Betelgeuse havia passado por uma rigorosa inspeção de classe. A inspeção da Bureau Veritas (BV), havia detectado inúmeras trincas em seus tanques de lastro, que inclusive não estavam pintados e os anodos de sacrifício vencidos, além dos tanques centrais de lastro estarem com nível de corrosão acentuado, chegando em alguns pontos com 50% da espessura nominal da chapa. Relatos informam que sucessivas trincas surgiam nos tanques de lastro  durante as viagens, e eram reparadas com resina. Isso ocorria também no navio gêmeo, o M/T Cassiopee. A sociedade de classe também notou que os anodos dos tanques de lastro estavam deteriorados, porém, nem todos foram substituídos. Apesar disto tudo o navio não foi detido, muito pelo contrário, a intenção era vender ambos os navios para desmanche, por isso não houve investimentos de manutenção destes navios. Lembrado que o navio era propriedade do governo francês e acionistas (economia mista) e mais um vez na história industrial, decisões político-econômicas tiveram influência, tanto neste acidente, quanto em outros ocorridos pelo mundo.
Desta forma, não ficou caracterizado falha de inspeção ou manutenção, já que os problemas foram identificados e relatados, porém a decisão de não promover a manutenção devida, foi ponto crucial para o trágico fim do Betelgeuse.



Outro fator importante foi a ausência de dispositivos de gás inerte no navio que foi construído antes da convenção MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios), e o armador sequer se preocupou em adaptar o navio. Devido à má conservação e falta de reparos nos tanques, era comum vazamentos dos tanques de carga para os de lastro segregado, o que realmente ocorreu dias antes da enorme explosão. Estes constantes vazamentos para estes tanques que não possuíam sequer pintura interna, ocasionaram uma mistura mortal. Gases acumulam-se nestes tanques, e qualquer centelha era o suficiente para mandar o navio pelos ares.

A proximidade da área de tancagem do terminal de Whiddy Island,
foi a principal preocupação dos bombeiros.


INVESTIGAÇÃO

Nas investigações veio à tona toda a verdade, ensaios provaram que a estrutura do navio estava muito deteriorada, apesar de ser um navio com apenas 10 anos de mar, ele estava em estado lamentável. Os navios tanques construídos antes de 1975, tinham arranjos de tanques diferentes dos mais novos que eram mais reforçados. A Bureau Veritas (BV) que era a sociedade classificadora, havia emitido certificados de classe para o navio que não possuía planta de gás inerte, e os tanques de lastro segregado estavam muito corroídos, além apresentar deficiências também nos tanques de carga, mesmo assim o navio foi liberado para operar. A investigação revelou que o navio explodiu após partir ao meio, exatamente na posição dos tanques de lastro segregados, apesar de não haver sobreviventes para confirmar se os tanques estavam sendo lastrados ou não, enquanto a carga era descarregada. O navio sofreu envergamento da estrutura até ceder, provavelmente no local onde a corrosão reduziu a espessura da estrutura sobrecarregando a espessura remanescente (ponto fraco), e com gases no interior dos tanques de lastro, uma grande explosão destruiu tudo ao redor.
Fato é que acidente similar ocorreu com outro navio 1 ano depois em Rotterdam, com o VLCC Energy Concentration, que partiu-se ao meio, porém não explodiu graças ao sistema de gás inerte que preservou seus tanques, e carga, salvando da destruição tanto o navio, terminal e sua tripulação.

Cena trágica. Navio em chamas e sem sobreviventes.


CONSEQUÊNCIAS

Içamento de uma seção,
após quase dois anos.

Como sempre, as vítimas foram os tripulantes e operários do terminal. Apesar do tribunal ter condenado a Total e a BV, por negligência, é mais fácil culpar quem perdeu a vida, e ambas fizeram o possível para se isentar de culpa, inclusive tentaram culpar o terminal (foi provado depois que não houve qualquer falha no terminal). Neste terrível acidente 50 pessoas perderam suas vidas, o que inclui mais de 42 tripulantes do M/T Betelgeuse. Este sinistro faz parte hoje de uma lista dos mais terríveis acidentes ocorridos na indústria marítima.


35° de inclinação da proa. O restante sucumbiu a 40 metros de profundidade.


DOCUMENTÁRO: O SALVAMENTO DO BETELGEUSE

Os restos do M/T Betelgeuse levaram 573 dias de trabalhos ininterruptos para ser removidos de uma profundidade que variava entre 30 à 40 metros. A maior equipe de salvamento de navios foi formada para esta operação que foi a mais cara até então ao custo de 120 milhões de doláres, e a mais complexa já realizada até os dias atuais. A Smit Tak foi obrigada a desenvolver novas técnicas além de novos equipamentos superdimensionados para essa Hércula tarefa. Enquanto começavam a operação foi constatado que o navio estava partido em 3 grandes blocos, dois destes submersos, e em péssimo estado. O terminal de Bantry Bay foi desativado após este acidente, restando um memorial com o sino do navio em homenagem às vítimas e duas tumbas com os restos de dois tripulantes que não tiveram os corpos reconhecidos por ninguém.

VEJA O DOCUMENTÁRIO ABAIXO.
MUITO INTERESSANTE O TRABALHO DE "SALVAMENTO"
DO NAVIO BETELGEUSE.



Fonte:

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