sábado, 24 de maio de 2014

Caso 073: Fadiga Mecânica – Voo JAL-123 (1985).

No pior desastre com uma única aeronave na história da aviação, ocorrido em 12 de Agosto de 1985, morreram 520 pessoas no voo 123 da Japan Air Lines (JAL) entre Tóquio e Osaka onde este se chocou contra uma montanha após perder  a cauda. As investigações mostraram que a caverna de pressão traseira do aparelho, um Jumbo 747 da Japan Airlines, se rompeu devido a um reparo mal executado pela manutenção. O ar pressurizado da cabine entrou na cauda, arrebentando partes da fuselagem e danificando o sistema hidráulico. Segundo o relatório, a inspeção também falhou ao não detectar a fadiga do metal.




 


O ACIDENTE

Última imagem do voo JAL-123.
Veja ampliação a seguir
Eram 18h12 quando o voo JAL123 iniciou sua decolagem de Tóquio para Osaka.  Às 18h25m quando o Jumbo 747 da Japan Airlines  alcançava a sua altitude  a 24.000 pés sobre a baía Sagami,  o código 7700 (emergência) foi acionado no transponder do Jumbo. Subitamente rompeu-se o selo traseiro de pressurização. O Boeing simplesmente perdera todo o seu estabilizador vertical e a tripulação do Cmte. Takahama lutava contra o 747, que voava totalmente descontrolado. O jato sem a cauda somente se mantinha em voo pela velocidade que seus quatro motores. E foi com eles que Takahama tentou o impossível: trazer o 747 de volta a Tóquio.
Até aquele momento, pouco se sabia dentro da cabine de comando as razões da falha, o que poderia ter causado a perda súbita de toda pressão hidráulica e as dificuldades de manejo. Em segundos, sem os três sistemas hidráulicos redundantes, o 747 havia perdido toda a pressão, tornando inoperantes os controles de voo básicos: o 747 não contava mais com os ailerons, leme e profundores.
Tudo que sabiam foi através de um comissário de bordo que interfonou para a cabine de comando e informou que uma forte explosão havia sacudido a parte de trás da cabine de passageiros e que havia despressurização.
Sem outra opção, Takahama começou então a variar a potência dos motores, tentando fazer que o 747 ganhasse ou perdesse altura, e, variando a potência entre os motores de cada uma das asas, fizesse curvas. Missão impossível.
O movimento do 747 entrou numa oscilação continua, chamada em física de oscilação fugóide. Como um gigantesco pêndulo, o 747 subia e descia 1.500 metros a cada 90 segundos, fazendo com que o nariz da aeronave variasse entre 15º para cima e 5º para baixo, bem como a velocidade, que oscilava de 200 a 300 nós. As asas moviam-se 50º para cima ou para baixo em ciclos de apenas 12 segundos. O 747 voava como uma folha seca ao vento.



Dentro da cabine de passageiros, a atmosfera era de absoluto terror. Quando situações de pânico extremo acontecem, ao contrário do que mostram os filmes, a maioria das pessoas entram num estado conhecido como "pânico negativo": ficam imóveis, caladas, olhos fechados ou vidrados, incapazes de se mover ou emitir sons. O cérebro entra em curto-circuito e se recusa a processar a dura realidade, a confrontar a real iminência da morte.
Era o caso. Choros abafados, alguns soluços e nada mais. Nenhuma histeria, apenas o mais profundo e incapacitante terror. Mover-se pela cabine era impossível, pois o próprio movimento oscilatório da aeronave prendia os passageiros aos seus assentos. Além disso, com a entrada de ar frio, externo, a atmosfera dentro da cabine ficou turva como num denso nevoeiro. Se os passageiros mal podiam manter-se de pé, ao menos alguns deles podiam escrever. Muitos o fizeram: mais de 30 cartas de despedida foram escritas durante os 32 longos minutos que o JAL 123 lutou contra seu destino.

TRECHOS DE ALGUMAS CARTAS

"A meus três filhos: tomem conta de sua mãe. O avião está caindo e vem uma fumaça branca da parte de trás. Podemos ter apenas mais cinco minutos. Nunca mais quero entrar em um avião", escreveu Hiroshi Kawagushi, 52, chefe do escritório da empresa de navegação Mitsui Osk Lines em Kobe, perto de Osaka. Dirigindo-se ao seu filho mais velho, ele escreveu: "Não há esperança. Foi uma vida feliz para mim. Tsuyoshi, tome conta de todos. Deus nos ajude. Adeus". A mensagem ocupava sete páginas de sua agenda. O químico e chefe de escoteiros Massakatsu Tanigushi, 40, escreveu apenas um pequeno recado para sua mulher, escrito às pressas em um saco de papel higiênico: "Machiko tome conta dos garotos". O bilhete foi encontrado dentro de sua carteira de motorista, em meio aos destroços do avião.

Destroços...

CAIXA PRETA

Às 18h55:42, a gravação do CVR, Cockpit Voice Recorder, começa a registrar o som das turbinas do 747 refletido nas montanhas que o 747 sobrevoava a poucos metros dos cumes. Ouve-se claramente a aceleração dos motores, mas o nariz do 747 continua teimosamente para baixo, a despeito de todos os esforços dos tripulantes. O ensurdecedor ruído de vários alarmes soando pela cabine de comando, somado ao ruído dos motores em potência máxima cria uma cacofonia angustiante. O desespero dos tripulantes fica gravado para sempre na caixa preta. Eles agora apenas gritam entre si. O JAL 123 e seus 524 ocupantes não têm mais salvação. O Jumbo entra no seu derradeiro mergulho, girando 200º em seu eixo e entrando numa descendente abrupta, nariz firmemente apontado para baixo.
Às 18h56:06, no Cockpit Voice Recorder, ouve-se então nitidamente o som do primeiro impacto da asa esquerda contra a copa de árvores. Mais dois segundos e chega ao fim a gravação: o 747 explode contra o monte Osutaka, de 5.400 pés de altura.
O impacto deu-se a aproximadamente 200m abaixo do pico e à uma velocidade de 140 nós. Os tanques de combustível do 747 romperam-se imediatamente e um gigantesco incêndio tomou conta da área. Já estava escuro na hora do acidente e as equipes de socorro só chegariam ao remoto local da tragédia no alvorecer do dia seguinte. Para incredulidade total dos socorristas, 4 passageiras (duas delas, crianças de 12 e 8 anos) foram retiradas com vida e sobreviveram. Estavam todas elas sentadas nas últimas fileiras do 747.
Com 520 dos 524 ocupantes mortos, este foi o segundo maior desastre em número de vítimas na história da aviação e o maior envolvendo uma única aeronave.

O VÍDEO ABAIXO É  ÁUDIO DA CAIXA PRETA
COM O MAPA DO RADAR E TRAJETÓRIA
DO VOO JAL-123.




O RESGATE

Um helicóptero da Japan Self-Defense Forces (JSDF) avista os destroços durante a noite, a má visibilidade e o difícil acesso ao terreno montanhoso o impediu de pousar no local. O piloto do helicóptero da JSDF relatou, ainda em voo, que não haviam sinais de sobreviventes. Com base neste relatório, o pessoal em terra da JSDF desistiu da missão de resgate na noite do acidente. Ao invés disso, eles foram enviados para passar a noite em tendas improvisadas em uma aldeia. A JSDF não partiu para o local do acidente até a manhã seguinte. A equipe médica descobriu - mais tarde - um número de corpos dos passageiros cujos ferimentos indicaram que tinham sobrevivido ao acidente, apenas para morrer de choque ou de exposição a noite nas montanhas, enquanto aguardavam socorro. Um médico disse: "Se a descoberta ocorreu dez horas mais cedo, poderíamos ter encontrado mais sobreviventes".


Yumi Ochiai, uma das quatro sobreviventes do total de 524 passageiros e tripulantes, contou em sua cama de hospital que ela lembrou das luzes e do som dos motores do helicóptero e logo depois ela acordou no meio dos destroços, enquanto ouvia gritos e gemidos de outros sobreviventes. Estes sons gradualmente desapareceram durante a noite.





ANTECEDENTES
TAILSTRIKE

Em 2 de junho de 1978, o voo JAL-119 havia feito um pouso duro e batido com a parte inferior da fuselagem traseira ("tailstrike"- ilustração a direita) na pista do Aeroporto Internacional de Osaka que danificou a parte traseira da aeronave (cauda). Logo atrás da cabine de passageiros, após a última porta, há uma cúpula hemisférica, que representa a fronteira entre a zona sob pressão . Após esse limite, muitas vezes são instalados tabuleiros de refeição e armários e, portanto, é uma área não visível quando se olha para a parte traseira do avião. Esta parte está sujeita ao estresse mecânico, dada a enorme diferença de pressão que recebe de cada lado.


O REPARO

O Boeing foi então retirado de serviço e por alguns meses, foi reparado por um time de técnicos da JAL., porém o reparo posterior da cauda não foi realizada em conformidade com métodos de reparação aprovados pela Boeing apesar de um engenheiro da mesma ter acompanhado o serviço.
Dado como seguro para voltar a voar, o 747 entrou novamente em operação e assim voou pelos 7 anos seguintes, até o dia do acidente quando a falha de manutenção e inspeção chegou ao seu ápice. Deu-se por fim a fadiga mecânica dos rebites usados para unir as placas substituídas.

CAUSAS DO ACIDENTE

A causa oficial do acidente, segundo o Relatório Final publicado  pela Aircraft Accidents Investigation Commission no Japão, foi a seguinte:

A cauda havia sido retirada para reparos e, na substituição, foi fixada com somente uma fileira de rebites onde seriam necessárias duas. Com o passar do tempo e decorrente da operação normal da aeronave, houve uma fadiga no material resultando na quebra abrupta de toda a parte.
Como uma costura que se rasga, o metal cedeu. Uma súbita e violenta ruptura na fuselagem, que por sua vez atingiu o cone de pressurização da cabine. Como uma bomba, a estrutura rompeu-se sob o efeito da diferença de pressão entre o interior da cabine e o ar externo rarefeito (explosão por descompressão). A sequência de explosões rompeu a fixação do reparo feito no 747. Um trágico efeito dominó entra em ação, todos os controles foram perdidos com a quebra completa da seção 15 na seção traseira da fuselagem quando a base de fixação da cauda desprendeu-se (perda do estabilizador vertical), despedaçando-se e deixando o 747  fora de controle.
 Os momentos finais do avião ocorreram quando colidiu em uma montanha como resultado da perda de controle, batendo na encosta. Trinta minutos entre a falha até ao momento de impacto. O impacto era inevitável.

Local do reparo onde ocorreu a descompressão  que levou
o voo da JAL-123 ao desastre. 

APU: gerador que fornece energia elétrica e pneumática para os sistemas do avião enquanto este está no chão e os motores parados e sua partida é elétrica.


A caverna de pressão traseira do voo JAL-123
(como pode ser visto na ilustração anterior a esta foto),
está em exposição no Centro de Promoção de Segurança Aérea, em Tóquio. 


DESDOBRAMENTOS

Logo depois da conclusão da investigação, o presidente da JAL, Yasumoto Takagi, demitiu-se da empresa em respeito às vítimas, costume que é tradição no Japão. Um gerente de manutenção da JAL foi além: deixando uma carta de despedida e de desculpas, suicidou-se. Ele foi a última vítima fatal do JAL 123.
Logo após o acidente, o governo japonês determinou uma inspeção em todos os 69 aparelhos Boeing 747 em serviço no país e uma verificação rigorosa nos dezesseis Jumbos que cumpriram mais de quinze mil horas de voo.
No início do ano de 1994, técnicos da Japan Air Lines localizaram fissuras nas caudas de três aviões desse modelo, causadas, segundo a Boeing, por superpressurização da cabine de passageiros.

Manutenção e Inspeção são coisas sérias.
Seja numa planta de processo ou na aviação.

Fonte:

www.desastresaereos.net
www.wikipedia.org
www.jetsite.com.br
Folha de São Paulo de 19 agosto de 1985.

Um comentário:

  1. Sensacional, parabéns pela matéria, tudo bem detalhado e com imagens explícitas, é uma pena que as pessoas só tentem arrumar um erro após o desastre já ter acontecido, na época creio que isso deve fortemente ter atingido todo o Japão, são histórias tristes que parecem mais ficção!

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