sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Caso 050: Fratura Frágil dos Navios Classe LIBERTY (1941/1945).

Classe Liberty foi uma série de navios cargueiros (militar), construídos nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
 
Navio da Classe Liberty, alcunhados pelo então presidente Roosevelt
durante a II Guerra Mundial como "Patinhos Feios".

Com desenho original britânico, as plantas foram adaptadas pelo engenheiro naval norte-americano William Francis Gibbs surgindo navios de baixo custo e rápidos de construir. Esta classe de navios simboliza a produção industrial em massa da Segunda Guerra Mundial

Características técnicas

Deslocamento: 14.245 toneladas bruta (14.474 t)
Comprimento: 135 m (441 pés 6)
Boca: 17,3 m (56 ft 10,75 in)
Calado: 8,5 m (27 ft 9,25 in)
Propulsão: Duas caldeiras a óleo, expansão tripla motor a vapor, eixo único, 2.500 cavalos de potência (1.864 kW)
Velocidade: 11-11,5 nós (20 a 21 km / h)
Autonomia: 23.000 milhas (37.000 km)
Capacidade de carga: 10.856 toneladas de porte bruto (TPB)
Tripulação: 40 - 60 homens
Armamento: 1 canhão Stern de 102 mm montado no deck para utilização contra os submarinos. Metralhadoras anti-aérea.

1 - Fase inicial da montagem;
2 - Construção da primeira das anteparas transversais;
3 - A construção do convés inferior;
4 - Concluído antes do lançamento.

Na Segunda Guerra Mundial as estruturas dos navios eram soldadas para economizar tempo na montagem devido a grande demanda de suprimentos que atravessavam o Oceano Atlântico do EUA para Inglaterra principalmente, com a finalidade para abastecer as tropas aliadas durante a época de guerra.

Foram construídos 4694 navios da Classe Liberty.
Os primeiros não possuíam armamentos de defesa, como pode ser visto  na foto.

Os efeitos da temperatura, dos concentradores de tensão e de tensões residuais não eram bem compreendidos. Por esse motivo (desconhecimento metalúrgico da solda e dos materiais) os navios da série Liberty tornaram-se um exemplo clássico de acidentes provocados por fratura frágil até os dias de hoje.  Muitos deles acabavam afundando antes de cumprir a travessia do Atlântico, alguns fraturavam em alto mar e outros atracados no porto onde foi observado que o material perdia ductilidade necessária para resistir à baixa temperatura.

Navio John  C. Butler (Classe Liberty) a esquerda sendo escoltado por navios de guerra
no Atlântico Norte, protegendo-o contra as investidas dos submarinos alemães.

A ductilidade dos materiais está relacionada a temperatura e a presença de impurezas.
Materiais dúcteis se tornam frágeis a temperaturas mais baixas. Isto pode gerar situações desastrosas caso a temperatura de teste do material não corresponda à temperatura efetiva de trabalho.
A fratura por fadiga ocorre pela aplicação de tensões variáveis ao logo do tempo e é muito comum em equipamentos que trabalham com sobrecarga cíclica, como componentes de máquinas, asas de aviões, pontes e navios. A resistência à fadiga representa, para um dado valor de tensão, o número de ciclos que o material suporta até romper.

Os navios tipo Liberty, da época da 2ª Guerra, que literalmente quebraram ao meio.
 Eles eram fabricados de aço com baixa concentração de carbono, 
que se tornou frágil em contato com as águas frias do mar.
Observa-se a relação da queda de energia necessária para o rompimento
do corpo de prova com a queda de temperatura.



A baixa temperatura é um fator de extrema importância no comportamento frágil dos metais. Na fratura frágil, a energia necessária para propagar a fratura é normalmente baixa. Devido à pequena energia absorvida, geralmente as fraturas frágeis são de grandes proporções, podendo ser catastróficas como no clássico exemplo dos navios da série Liberty, construídos durante a Segunda Guerra Mundial.

Foram construídos 4694 navios deste tipo, dos quais 1289 sofreram fratura frágil. Destas, 233 foram catastróficas, com perda completa e, em 19 casos, os navios partiram-se ao meio, como os navios tanques SS Schenectady e o Charles S. Haight, mostrados nas fotos abaixo. O primeiro fraturou em 16 de janeiro de 1943, atracado no píer de acabamento do estaleiro, com mar calmo. A fratura frágil foi súbita, sem aviso e foi ouvida pelo menos a 1500 metros de distância. Fraturas deste tipo ocorreram tanto em mares turbulentos como no cais, principalmente no inverno. Com a diminuição da temperatura, foi evidenciada pela fratura dos navios a modificação no comportamento do aço de dúctil para frágil.
Fratura frágil em navios Liberty ainda no porto. O SS Schenectady a direita.

Navio Charles S. Haight - Vista da ruptura entre a secção central do navio e popa. 

Navio Charles S. Haight - detalhe do rompimento do casco.

Na época sobraram muitas críticas ao processo de soldagem, ao ensaio Charpy e a metodologia de projeto (resistência dos materiais), o que levou ao desenvolvimento de uma nova abordagem técnica, conhecida hoje como Mecânica da Fratura.

Charles S. Haight - vista da popa adernada para bombordo.

Entretanto, temos que salientar que a construção dos navios da classe Liberty fazia parte do "esforço de guerra" norte-americano e, portanto, tinha que ser baratos e rápidos construir.
Construídos para substituir os navios torpedeados pelos submarinos U-Boat nazistas, foram montados rapidamente (pouca mais de três meses) para garantir a uma linha de suprimentos para  Inglaterra. Até hoje foi o maior número de navios construídos a partir de um único projeto que previa uma vida útil de cinco anos. No ápice da construção o navio Robert E. Peary construído pelos estaleiros Oregon Shipbuilding Corporation de Portland / Oregon, iniciou sua construção em 08/11/1942 e foi lançado ao mar dia 15/11/1942 (uma semana). Sem sombra de dúvida, um recorde que provavelmente vai demorar muito para ser quebrado.

Um dos estaleiros norte americanos que construíram os Liberty.

Os Liberty, inicialmente conhecidos como os "navios de cinco anos de vida útil", continuaram a singrar os mares do mundo inteiro por muito mais tempo que o planejado, sendo que o último Liberty a operar comercialmente foi o chinês Zhan Dou 43, que navegou até 1987.
A verdade é que muitos desses navios sobreviveram muito tempo além da expectativa prevista, porém os que falharam catastroficamente atraem mais a atenção, e com toda razão, já que um terço da frota Liberty fraturou.

SS Jeremiah O'Brien, construído em 56 dias em 1943.
Hoje, navio-museu, atracado no porto de San Francisco (EUA).

A lição que podemos tirar dessa história foram os prejuízos materiais e perdas de vidas, fruto da pressa e do desconhecimento técnico, porém, concebíveis em tempos de conflito onde pela época e a emergência da situação, o controle de qualidade era quase inexistente. Por mais insensível que possa parecer "Guerra é Guerra". Não justifica, mais explica o porquê de tantas falhas, daqueles funestos anos de guerra (1939 a 1945).



Podemos citar, neste caso, um velho ditado que retrataria a correria em um estaleiro para se construir um navio da classe Liberty: "Ou vai, ou racha". Pois é, 1/3 dos navios racharam!!!!!

CASO CORRELATO
(CLICK NO TÍTULO)




Fonte:
  
Arnobio Ignacio Vassem Júnior - Estudo de Efeitos Dinâmicos até o Início da Fratura Frágil.

Prof. Carlos Baptista - Ensaios de Materiais/Universidade de São Paulo.

Prof. Cláudio  G.  Schön, Prof. André Paulo  Tschiptschin e Prof. Hélio Goldenstein -
Fratura dos Materiais - Noções de Mecânica da Fratura.

Fotos do Charles S. Haight por Ted Dow.

Explanação das aulas do professor Maurício de Oliveira
da Equipe de Formação de Inspetores – EFI / SINDIPETRO-LP.



5 comentários:

  1. Excelente post!
    Tenho lidos os demais casos e apreciado de igual modo!

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  2. Parabéns pela pesquisa! Meu professor de materiais de construção mecânica mostrou uma foto de um liberty partido ao meio em um de seus slides que fala de falhas mas ele não chega a entrar na parte histórica e o post me ajudou a matar minha curiosidade!

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  3. Antônio, Carlos e Márcio.... Valeu pelo incentivo!!!!

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